Dois Tipos de Amigos que Toda Pessoa Deve Ter, segundo C S Lewis

Em Surprised by Joy, a autobiografia de seus anos iniciais, C S Lewis faz um comentário extremamente instigante sobre dois de seus melhores amigos, Arthur Greeves e Owen Barfield — que eram pessoas totalmente diferentes uma da outra. Mas ele gostava dos dois. E, segundo nos confessa, precisava dos dois. Eis o que ele diz, no capítulo 13, num tom que alguns vão considerar meio machista:

“Há um sentido em que Arthur [Greeves] e [Owen] Barfield (*) são os tipos ideais de Primeiro Amigo e de Segundo Amigo que todo homem [sic] deve ter. O Primeiro Amigo é seu alter ego, aquele homem que primeiro lhe revela que você não está sozinho no mundo, que você tem alguém com quem pode compartilhar todas as coisas mais deleitáveis da vida. Não há nenhum obstáculo que precisa ser vencido para os dois serem amigos: ele e você se juntam como duas gotas de chuva numa vidraça. Mas o Segundo Amigo é o homem que discorda de você em relação a praticamente tudo. Ele não é seu alter ego: ele mais parece o seu anti-ego. Naturalmente que ele compartilha seus interesses — não houvesse esse mínimo de comunidade, ele nem seu amigo seria. Mas ele aborda todos os interesses comuns sempre de um ângulo ou perspectiva diferente. Ele já leu todos os livros certos — mas conseguiu tirar a lição errada de todos eles… É como se ele falasse a mesma língua que você, mas pronunciasse errado todas as palavras… Você se pergunta: como é que ele pode chegar tão perto do certo e, contudo, invariavelmente, estar tão errado? Ele é tão fascinante (e irritante) quanto uma mulher. Quando você tenta corrigir as heresias dele, você descobre que, na realidade, é ele que está a corrigir as suas! E assim vocês continuam, os dois, cada um com suas ferramentas favoritas, noite adentro, noite após noite; ou, quando vocês estão fora de casa, andando em meio a uma paisagem linda, nenhum dois dois consegue apreciar a beleza do entorno, mas só se preocupa em como absorver da melhor maneira possível as porradas do outro, olhando um para o outro mais como inimigos que se respeitam do que como os amigos que na realidade são. Na verdade, embora isso na hora não pareça ser verdade, vocês dois estão pouco a pouco modificando o pensamento um do outro. Dessa briga perpétua entre cachorros grandes, emerge uma comunhão de mentes que só faz aprofundar a afeição mútua. Mas eu creio que ele [Barfield] me mudou bem mais do que eu a ele. No entanto, muito do pensamento que ele mais tarde colocou em seu livro Poetic Diction já tinha passado pela minha mente antes de aparecerem naquele importante livro dele. Seria estranho se não tivesse… Ele naturalmente não era tão erudito então como se tornou depois, mas o gênio já estava lá presente nele”.

A tradução (meio livre) é minha.

(*) Arthur Greeves é amigo de infância… Por isso Lewis se refere a ele como “Arthur”. Owen Barfield é amigo de escola e colega de profissão. Por isso Lewis se refere a ele como “Barfield”, pelo sobrenome e não pelo prenome. Mas os dois eram amigos. Em relação a Lewis, os familiares e os amigos de infância o chamavam de Jack. Os amigos de escola e os colegas de profissão, Lewis ou, então, se eram também amigos íntimos, Jack. O restante das pessoas o chamava de Mr. Lewis.

Em Salto, 7 de Julho de 2020.

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